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Pessoas de Lisboa: José-Augusto França, 98 anos de um historiador que ainda defende a função social dos museus

Inaugurou a história do urbanismo português e criou o primeiro mestrado em História da Arte do país, na NOVA FCSH. Historiador, crítico de arte e romancista, José-Augusto França tornou-se numa das personalidades mais relevantes da cultura contemporânea.

Nasceu em Tomar, em 1922, mas logo um ano depois mudou-se para Lisboa com a família, onde, em 1944, iniciou o seu percurso académico, na Universidade de Lisboa. Na mesma década, integrou o Grupo Surrealista de Lisboa.

Incentivou, desde cedo, práticas artísticas de rutura: enquanto participante ativo na vida artística lisboeta do pós-guerra, França foi responsável pela Galeria de Março, de 1952 a 1954, dirigiu a revista Unicórnio (antologias de inéditos de autores portugueses contemporâneos) de 1951 a 1956, e, entre outras atividades, escreveu crítica de arte no Horizonte e no Seara Nova, enquanto organizava também as Terças-feiras Clássicas no cinema Tivoli.

Enveredou pela área da Sociologia da Arte, na École Pratique des Hautes Études, em Paris, e doutorou-se, na Sorbonne, em História (Une Ville des Lumieres: la Lisbonne de Pombal, 1962) e em Letras e Ciências Humanas (Le Romantisme au Portugal, 1969). Foi durante este período que José-Augusto França definiu o seu método historiográfico.

Na entrada do dicionário “Quem é quem na Museologia Portuguesa” (2019), Raquel Henriques da Silva, professora e investigadora da NOVA FCSH, resume a metodologia inovadora de França, que reconheceu a importância de estudar e promover o passado para entender o presente, de forma a gerar uma visão rigorosa, marcada, no entanto, pelas convicções da arte contemporânea.

Após o 25 de abril de 1974, França investiu na História da Arte como área relevante de investigação na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (NOVA FCSH), onde foi professor catedrático e fundou o Instituto de História da Arte, pioneiro em estudos de mestrado e doutoramento a nível nacional. Nas décadas de 1980-90, grande parte dos atuais historiadores portugueses frequentaria aquele que seria conhecido como o primeiro mestrado em História da Arte do país.

A par do seu trabalho de historiador e professor, França foi responsável pela qualidade e internacionalização da revista Colóquio-Artes, na qual assumiu o cargo de diretor, entre 1971 e 1996. Com o passar dos anos, foi comissário de importantes exposições históricas e ocupou diversos cargos relevantes nas mais conceituadas instituições culturais. Destaca-se a década de 1970, durante a qual foi presidente do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, do Centro Nacional de Cultura e da Academia Nacional de Belas-Artes. Nomeado presidente de honra da AICA (Association Internationale des Critiques d’Art) e da Academie Europeénne des Arts, Lettres et Sciences, França é ainda membro da Academia das Ciências de Lisboa e membro honorário do Comité International d’Histoire d’Art.

José-Augusto França foi reconhecido com inúmeras distinções em Portugal e no estrangeiro. No seu país, foi agraciado, em 1991, com o título de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. As condecorações não ficaram por aqui, e, um ano depois, recebeu a Grã-Cruz da Ordem de Instrução Pública e a Medalha de Honra da Cidade de Lisboa, por todos os seus contributos enriquecedores, mas sobretudo pela vasta obra olissipográfica iniciada em 1965, que marcou a inauguração da História do urbanismo português, bem como pelo seu trabalho fundamental no final dessa década, enquanto responsável pela classificação da área histórica de Lisboa a preservar.

A vertente sociológica do seu trabalho e as suas crenças socialistas levaram-no a defender a função social do museu e a olhar para a obra de arte como um produto da civilização, reveladora de uma essência sociocultural específica que lhe é inerente.

Nos seus Folhetins (refleções críticas sobre arte e cultura), publicados no Diário de Lisboa, escreveu sobre a inexistência de um Museu de Arte Moderna em Portugal, função para a qual o Museu de Arte Contemporânea não serviria, e defendeu um plano de ação conciso para a redefinição dos museus portugueses. França considerava que o MNAC deveria ser potencializado como um museu do século XIX e que a Câmara Municipal de Lisboa deveria criar um Museu Municipal de Arte Moderna, à semelhança dos que existiam na Holanda e na Suíça.

A ideia de criar um Centro de Documentação e Pesquisa aquando a inauguração do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian também foi obra sua, com o objetivo de vincular a investigação académica a esta nova etapa da Fundação.

Cumpriu, mais uma vez, um dos seus desígnios éticos ao doar parte da sua coleção pessoal de arte à Câmara Municipal de Tomar (ato que permitiu a constituição do Núcleo de Arte Contemporânea do Museu Municipal, inaugurado em 2004), cidade onde nasceu, consciente de que a arte deve estar à disposição dos públicos e de que o seu conhecimento e fruição contribuem positivamente para a cidadania.

Fotografia: Enric Vives-Rubio

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