O turismo de massas chegou para ficar e não há muitas rendas que resistam. A crise habitacional que se vive atualmente em Lisboa justifica-se em parte pelo impacto do Alojamento Local no centro histórico.
“A intensidade de turistas aumenta de tal maneira que podemos considerá-los a categoria mais importante de utilizadores da cidade”, afirma Mariana Brandelli Ribeiro na tese de mestrado em Urbanismo Sustentável e Ordenamento do Território (2017) da NOVA FCSH. A investigadora mostra como a aposta no turismo para a recuperação da crise de 2008 conduziu a fenómenos de gentrificação, a aumento de valores imobiliários e a conflitos territoriais na capital.
O centro vivo de Lisboa passou a ser “apropriado pelos turistas urbanos, afastando os residentes dos seus locais habituais” e a reabilitação urbana para fins turísticos, aliada ao crescimento espontâneo do Alojamento Local (AL), tornou a cidade num espaço competitivo, através da semiprivatização do espaço público. Deste fenómeno, surgiram negócios como o Airbnb e os Vistos Gold.
A febre do Airbnb
“O mercado em baixa levou ao custo reduzido de propriedades, atraindo investidores portugueses e internacionais para o negócio de AL” porque as políticas de austeridade, os efeitos no tecido social de Lisboa e a quebra do sector imobiliário durante os anos da crise estiveram de mãos dadas e fomentaram o desenvolvimento dos Alojamentos Locais (AL).
O surgimento de ofertas em Airbnb (Air Bed and Breakfeast, ou seja, Air cama e pequeno-almoço, em português) cresceu exponencialmente desde 2010. A plataforma não é regulamentada, o que contribuiu para um desequilíbrio não só territorial como social. A concentração de Airbnbs no centro histórico gerou uma “alteração drástica na paisagem da cidade”.
O eclodir deste fenómeno fez com que as residências dessem lugar ao alojamento temporário, um sintoma para a perda da identidade histórica do centro. Um estudo feito pela Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), em 2017 – e citado numa opinião do jornal Expresso e pela investigadora – refere que “19% dos imóveis passaram de arrendamento permanente para alojamento local, sendo que 13% desses imóveis eram utilizados para habitação própria e permanente”. Um desequilíbrio habitacional que se prolongou no tempo.
Os Vistos Gold e a subida do preço da habitação
O “bilhete” dourado que permitiu visitar e viver em Lisboa a partir de 2012 foi batizado de Visto Gold. A ideia, que partiu do Ministério das Finanças de Vítor Gaspar, tinha como objetivo incentivar a reabilitação de edifícios. “A relação criada entre a retoma da economia e a reabilitação urbana trouxe confiança por parte de investidores privados estrangeiros, que cresceu através de mecanismos como vistos gold”, indica a investigadora. De 8 de outubro de 2012 até 2017, data da dissertação de Mariana Brandelli Ribeiro, foram emitidos mais de quatro mil Vistos Gold.
Mas não foram só os vistos gold que contribuíram para a gentrificação da capital. A reabilitação urbana significou a subida do valor para a compra e arrendamento de imóveis. Contudo, os proprietários optaram por mudar para a modalidade de arrendamento temporário ou vender o próprio imóvel por um valor inflacionado. Isto porque o imposto para os arrendamentos permanentes era de 28 por cento, enquanto que o local era apenas de 15 por cento, aponta a investigadora.
Assim, “a gentrificação acontece por deixar de estar associada somente à reabilitação urbana, passando a estar vinculada à regeneração de bairros inteiros, iniciada em centros históricos”. Para combater esta situação, a investigadora propõe soluções de maneira a respeitar os direitos dos residentes da zona história de Lisboa, no sentido de um desenvolvimento sustentável.
Para Mariana Brandelli Ribeiro, é necessário que o centro histórico da capital seja zoneado, à semelhança do que já acontece em Barcelona e, para isso, é preciso “encerrar o licenciamento de hotéis na zona histórica de Lisboa, assim como para AL”, remata.
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