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Do oceano para o Tejo: o que a arqueologia marítima revela sobre Lisboa

O porto de Lisboa transformou-se numa das maiores vias de transação marítima na Idade Moderna. Descobertas de embarcações na cidade revelam que não eram apenas os navios de transporte fluvial e transoceânico que entravam nos ancoradouros: também os de transporte colonial faziam parte das rotas que chegavam à cidade.

Do mundo para o porto de Lisboa, os navios que passeavam pelas águas do Tejo provocaram uma “profunda alteração da zona ribeirinha, transformada em centro logístico e mercantil de um império marítimo que se começava a construir, onde se foram instalando estruturas produtivas, como estaleiros; logísticas, como os cais e os armazéns; ou de poder, como a alfândega”, aponta José Bettencourt, em conjunto com cinco investigadores do Centro de Humanidades (CHAM) da NOVA FCSH, no capítulo de livro (2018) “Meios, vias e trajectos: entrar e sair de Lisboa”.

Caravelas, naus, galeões, galeras e urcas eram navios transoceânicos que revelaram as ligações comerciais portuguesas com o Mediterrâneo, com o norte da Europa, com África, no continente americano e ainda na zona do Índico. Em águas portuguesas, a grande parte das embarcações que chegavam eram de diferentes nacionalidades, sendo as mais frequentes as de Espanha, França, Bélgica, Alemanha e de Itália. Os transportes fluviais na cidade eram, também, de extrema importância para o desenvolvimento da cidade. Só em 1552, contabilizaram-se 1.490 embarcações fluviais no Tejo e nas proximidades, indicam os investigadores.

Porém, apesar dos estudos de arqueologia marítima sobre os navios que aportavam em Lisboa serem poucos, encontraram-se nas últimas décadas embarcações que clarificam o universo da via marítima em Lisboa. A embarcação mais antiga, do século XIV, foi identificada no Largo do Corpo Santo, em 1996. É um pequeno troço da popa de uma embarcação pequena: “O navio do Corpo Santo assume grande importância no estudo da construção naval portuguesa, partilhando várias características da designada tradição ibero-atlântica, nomeadamente com o navio Ria de Aveiro A”, indicam os investigadores.

Um ano antes, durante as escavações para o túnel do metro no Cais do Sodré, foi encontrado um navio com características similares, conservado ao longo de 24 metros. Os investigadores garantem que este vestígio é o melhor documentado de Lisboa, datado da viragem do século XV para o século XVI. A descoberta indicou um navio de grande porte, apesar de apresentar características pouco usuais para a navegação oceânica.

Recentemente, nas escavações para a construção da sede da EDP, na Avenida 24 de julho, foram descobertos dois navios naquela que tinha sido a base logística do comércio brasileiro no século XVII. Os Boa Vista, assim batizadas as embarcações, “ainda numa fase inicial da investigação, apresentam várias técnicas nunca antes documentadas em Portugal, assumindo-se como hipótese uma provável relação com a navegação colonial”, escrevem os investigadores.

O Boa Vista 1 era uma embarcação de porte pequeno e apresentava uma construção naval de cariz mediterrânica, mas única: percebeu-se que o navio foi utilizado em águas quentes, algo inédito para os investigadores. Os vestígios que levaram a essa descoberta foi, entre outros, o revestimento de pelo de animal não identificado.

Por outro lado, o Boa Vista 2 era um navio maior, mas distinto em comparação à estrutura do Boa Vista 1. Apesar das técnicas comuns utilizadas, também este navio mostrava um revestimento para águas quentes e, além disso, uma área de operação em espaço colonial, demonstrada pelos cocos descobertos no porão do navio. Esta embarcação dava sinais de uma navegação colonial mais tardia, explicam os investigadores, entre o final do século XVII e início do século seguinte.

Os naufrágios destas embarcações descobertas ao longo das décadas deveram-se, em grande parte, às dificuldades em conseguir atracar nos portos de Lisboa. Prova disso é a iconografia da época que demonstra o grau de dificuldade das frotas nos ancoradouros. Fontes históricas revelam que a aterragem dos navios em Lisboa se fazia principalmente na Ribeira das Portas do Mar (hoje Campo das Cebolas) e em Belém, no ancoradouro do Restelo, do de Santo Amaro e no da Boa Vista ou de Santa Catarina.

Igualmente importantes na arqueologia marítima foram as descobertas dos navios naufragados de “Nossa Senhora dos Mártires”, em São Julião da Barra, e do “Gran Principessa di Toscana”, no Cabo Raso, que autenticam a dificuldade de entrar no porto de Lisboa, mas demonstram a riqueza das rotas marítimas na Época Moderna.

 

Imagem de destaque: A entrada triunfal de Filipe II em Lisboa, em 1619. Fotografia retirada do Museu Nacional de Arte Antiga.

 

 

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