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Operárias de Xabregas, as mulheres que impulsionaram a proteção da maternidade

Sabia que a licença de parto nem sempre foi remunerada? E que na fábrica de tabaco, em Xabregas, a maioria dos trabalhadores era mulher? Uma investigação da NOVA FCSH mostra as condições de vida destas operárias e como conseguiram conciliar o seu trabalho com a maternidade até à instituição de direitos materno-infantis.

Iletradas, com famílias numerosas, operárias e com rendimentos reduzidos. Assim era o perfil das mulheres operárias na fábrica de tabaco de Xabregas, na freguesia do Beato, em Lisboa, entre o final do século XIX e o Estado Novo. Estas mulheres tiveram de trabalhar para ajudar nas despesas familiares porque os baixos rendimentos dos maridos não os permitia ter dinheiro suficiente para sobreviver e, por isso, uma das opções era a fábrica de tabacos de Xabregas.

Nesta fábrica, a força operária era maioritariamente feminina. Em 1887, um inquérito realizado sobre as condições de trabalho e situação de trabalho revelou que na fábrica de tabacos de Xabregas, à época pertencente à Companhia Nacional de Tabacos, 74,9% dos operários eram mulheres. A maioria tinha mais de 16 anos, 44 delas tinham idades entre os 14 e os 16 anos e duas tinham menos de 12 anos apontam Virgínia Baptista, investigadora do Instituto de História Contemporânea (IHC) da NOVA FCSH, e Paulo Marques Alves, investigador do Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território (DINÂMIA’CET-IUL), no capítulo de livro (2020) que resultou da conferência “História do movimento operário e conflitos sociais em Portugal”.

Estas mulheres eram charuteiras, cigarreiras e empacotadoras de tabaco e rapé, mas a profissão mais desempenhada era a de empreiteira. Este ofício tinha uma das remunerações mais reduzidas e os patrões viam-na como “mais próprio das mulheres do que dos homens” por serem mais disciplinadas e assíduas. Apesar de estas operárias representarem a maioria do proletariado, os cargos mais especializados cabiam aos homens, onde a expressão feminina era apenas 30,9%.

Do rendimento paupérrimo que recebiam, uma parte significante ia para a renda de casa e para a ama que cuidava dos filhos, dada a ausência de creches à época. Depois da aprovação das regulamentações de proteção das mulheres na Conferência de Berlim, em 1890, estabelecidas em Portugal no ano a seguir, fortes contestações foram feitas porque “tal como na restante Europa, as leis consideradas «protetoras» do trabalho feminino provocaram controvérsia ao afastarem as mulheres dos trabalhos melhor remunerados” e também porque “a licença de parto, sem remuneração, empobrecia as mulheres, pelo que muitas mulheres se furtavam à legislação, ou contornavam-na trabalhando no domicílio”, apontam os autores.

Esta situação foi denunciada em Portugal por Adelaide Cabette, médica e feminista, na sua dissertação final na Escola Médico-Cirúrgica. A feminista apelou à urgência de criação de creches nas indústrias para apoiar as mulheres operárias. Neste contexto surge apenas em 1927 a Maternidade da Companhia Nacional de Tabacos – empresa a que pertencia a fábrica de tabacos no início do século XX – que incluía as tabaqueiras e as mulheres dos operários.

Estas mulheres tiveram direito a consultas para si e para as crianças, a internamentos, à distribuição de leite para os bebés, conselhos de puericultura e ainda uma creche. Esta maternidade, próxima da fábrica, ainda dava às mulheres internamento gratuito um mês antes e depois do parto, com o pagamento da assistência do parto igual ao de doente, o que “indiciava já um direito para as operárias banqueiras”, dado que pela lei, as mulheres não tinham direito a qualquer remuneração enquanto estavam de licença de maternidade. Só apenas em 1962 é que a maternidade se tornaria uma modalidade autónoma de seguro em Portugal.

Com a taxa de mortalidade infantil a atingir percentagens elevadas, em 1934, a mesma companhia fundava uma creche para os filhos das operárias até um ano de idade, em 1938. Contudo, apesar das ajudas da fábrica, estas mulheres já recorriam à ajuda das associações mutualistas femininas desde os finais do século XIX. As mulheres da zona oriental de Lisboa constituíam 38,8% dos mutualistas o que, comparando com a percentagem das mesmas em Lisboa, constituía um número considerável. Exemplo desta força de proletariado feminino foi a fundação da Associação de Socorros Mútuos Feminina do Pessoal Jornaleiro de Tabacos, em 1894. Também a Escola Afonso Domingues, em Xabregas, criada em 1884, foi fundada para direcionar os operários e os seus filhos para o ensino e especialização nas indústrias da zona.

Mais tarde, no século XX, a origem d’ “A Voz do Operário” ajudou várias mulheres a conseguir enxoval e meios de subsistência para os seus filhos e família. Assim, começaram, também, a surgir associações de classe femininas, como as associações de costureiras – que tinham correspondência com a associação dos manipuladores de tabacos –, a das criadas de servir, lavadeiras, parteiras portuguesas, entre outras. Um outro triunfo passou pela participação das mulheres operárias em associações de classes mistas, como a Associação de Classe do Pessoal dos Tabacos e a Associação de Classe dos “Professores da Voz do Operário”.

A força pela igualdade de condições não cessou e continuou no Estado Novo. Em 1942, as mulheres demonstraram ser “uma força reivindicativa de Xabregas e do Beato que bastante incomodaram as forças policiais”, com a manifestação contra o aumento do horário de trabalho, em conjunto com outros operários em várias zonas da cidade. Mas nesta freguesia, a Guarda Nacional Republicana encontrou a presença maioritariamente feminina, situação que deixou os profissionais confusos, por não saberem como atuar.

O bairro de Xabregas foi um importante pólo industrial de Lisboa desde o século XIX noutras indústrias como os lanifícios, os têxteis, petrólo, vinho, confeção de produtos alimentares, entre outras. Por estar situado na margem do rio Tejo, os barcos atracavam no antigo Porto de Lisboa e o elétrico passava pelo bairro, paisagem marcada pelas vilas operárias, como a Vila Dias, a Flamiano, mandadas construir pelos donos das fábricas, ou então por barracas, sinónimo da pobreza das famílias dos operários que então se vivia na zona entre os dois séculos.

Conheça Lisboa Oriental e parte de Xabregas no roteiro “A face nostálgica de Lisboa oriental”.

Fotografia: Vila Dias, em Xabregas (191?). Alberto Carlos Lima. Arquivo Fotográfico de Lisboa.

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