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Conhecer Lisboa islâmica, a cidade insólita do ouro e da riqueza

Sabia que nas margens do rio Tejo já existiram pepitas de ouro? E que Lisboa era visitada por focas-fêmeas? Entre o rio, a terra e o ar, registaram-se factos insólitos e maravilhosos da Lisboa islâmica, ou al-Andalus, a “quase-ilha”, descrita por fontes árabes e revelados por um investigador da NOVA FCSH.

Lisboa islâmica, ou al-Andalus (a “quase-ilha”), era conhecida por acontecimentos que a tornavam única. Primeiro, porque estava localizava no ponto mais extremo do Ocidente até então conhecido, virada para o “Grande Mar Envolvente ou Circundante”, uma cidade “construída à beira-rio, ou à beira-mar” em que, se a porta sul, ou a Porta do Mar, estivesse aberta, as marés inundavam a cidade, conta António Rei, investigador do Instituto de Estudos Medievais (IEM) da NOVA FCSH, no artigo (2016) sobre os relatos árabes do “maravilhoso” sobre Lisboa, entre 714 e 1147.

Ainda hoje sobrevive o Arco das Portas do Mar, no Campo das Cebolas, vestígio da porta sul da cidade islâmica. Mais a sudoeste, outra se abria para Lisboa: a porta de Al-Hamma, conhecida pelas suas águas quentes e terapêuticas. Mas Alfama, ainda antes da ocupação islâmica, já era conhecida pelas propriedades das suas nascentes e utilizada para banhos públicos.

O rio Tejo, que colocava a descoberto estas nascentes terapêuticas quando a maré baixava, trazia algo especial nas correntes, especialmente no inverno: pepitas e palhetas de ouro, que lhe valeram a alcunha de “Mar de Palha”. Então, uma nova profissão nasceu, a da recolha de ouro nas margens do rio.

Porém, também era no inverno que as cheias inundavam Lisboa. A violência era tanta que os relatos árabes as comparavam às do rio Nilo, mas a abundância de água acabava por trazer benefícios, ou seja, fertilizava as terras e permitia às populações fazer duas culturas de cereais por ano. Em outras regiões da cidade, levava à criação de pomares e hortas.

Mas no verão outro fenómeno acontecia: as focas-fêmeas vinham dar à luz nas margens do rio Tejo. Depois de um longo estudo dos relatos da época, percebeu-se que era regular e cíclico as focas-fêmeas deslocarem-se ao rio, episódios também descritos por romanos, um milénio antes. Mas foi o poder islâmico que fez deste acontecimento um negócio.

Quando as crias das focas nascem estão cobertas por um “tipo de velo de cor amarelo dourado” que lhes cai umas algumas horas depois, tornando-as aptas para seguirem as mães para o mar. E esse velo não era desperdiçado: “A família emiral e depois califal dos Banû Umayya, soberanos de al-Andalus, detinha o monopólio daquele negócio, havendo uma eventual recolha na região daquela matéria-prima e o seu posterior tratamento e fiação nos tirâz (oficinas de tecelagem) de Córdova”, relata o investigador no artigo. Deste material resultavam os chamados “mantos de honra”, que eram oferecidos aos convidados ou súbditos mais importantes.

Por outro lado, Lisboa também era conhecida pelo mel, um produto famoso fora de portas, muito característico porque “cristalizava de tal forma que era comprado ao açúcar, e a sua condição permitia que fosse guardado em sacos de pano, sem que os mesmos se tornassem húmidos em função da presença do mel”, explica o investigador.

Em redor da cidade, as montanhas eram ricas em jazidas de ónix, mármore e ainda um tipo de granada ou carbúnculo. Mas era a qualidade e a excelência do âmbar que se encontrava a sul ou a norte do estuário do Tejo que acabaria por ser exportado para o oriente, diz o investigador. Já nos céus de Lisboa, voava uma espécie de falcão que era considerada das melhores para a caça, o que tornou ainda mais conhecida a cidade.

Estes acontecimentos insólitos na Lisboa islâmica relatados pelas fontes árabes não são, porém, originais. A verdade é que, refere António Rei, parte destes episódios já tinha sido relatada por outras culturas em séculos anteriores.

 

Fotografia de destaque: Arco das Portas do Mar, no lado da Rua dos Bacalhoeiros (1930-1935). Fotografia de Eduardo Portugal, Arquivo Fotográfico de Lisboa (fotografia editada)

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