São cerca de quatro mil e 800 espécimes fotográficos que compõem o espólio do Hospital Miguel Bombarda. Um investigador do Instituto de Comunicação (ICNOVA) da NOVA FCSH demonstra a importância das fotografias para o estudo das doenças mentais no início do século XX.
Miguel Bombarda (1851-1910) foi o pioneiro da psiquiatria portuguesa e da fotografia psiquiátrica. As coleções do médico possuem, a partir de 1902, “um imenso valor documental e científico no âmbito da história da Medicina e da Psiquiatria portuguesa”, devido ao laboratório erguido junto ao Hospital de S. José, refere António Fernando Cascais, investigador no Instituto de Comunicação (ICNOVA) da NOVA FCSH, num artigo (2017) sobre a coleções fotográficas do Hospital Miguel Bombarda, englobado no projeto “História da Cultura Visual da Medicina em Portugal”.
Este projeto teve como um dos objetivos a análise dos arquivos fotográficos do Hospital Miguel Bombarda, onde não só se encontraram uma série de coleções, como a primeira fotografia psiquiátrica no país: “A primeira fotografia psiquiátrica data em Portugal dessas derradeiras décadas de Oitocentos e uma porção dela, porventura até mesmo o seu conjunto mais vasto, mais coerente e mais valioso, é precisamente aquele que encontramos no espólio do Hospital Miguel Bombarda”, aponta o investigador.
São cerca de quatro mil e 800 fotografias, divididas em 52 unidades: dois contentores, 26 caixas, 33 álbuns e um envelope. Este espólio está repartido em seis partes distintas. No meio de outras fotografias importantes, há duas que documentam a visita do poeta Mário Cesariny, em 2003, numa das quais aparece com o diretor do Hospital, no âmbito de um documentário biográfico. Uma outra fotografia inédita é a de Valentim de Barros, homossexual que foi internado no Hospital Miguel Bombarda durante 40 anos.
É então que se “conhece uma época dourada” que se estende até 1920. Tudo devido à curiosidade e trabalho de Miguel Bombarda e de outros médicos como José Sobral Cid.
O estudo das fotografias clínicas
De perfil e em pé, de frente, grandes planos de rosto ou de busto, na maioria com uniforme hospitalar, são o tipo de fotografias que se pode encontrar no espólio do hospital. As fotografias têm um recorte circular ou retangular e mostram principalmente, homens. “Excecionalmente, algumas fotografias são de corpo inteiro, frente e costas, e os pacientes, homens apenas, encontram-se despidos”, explica o investigador.
A coleção das fotografias do “Laboratório D’Analyse Clínica do Hospital Real de S. José e Annexos” ainda tem, em casos raros, a prova de uma posição forçada por um funcionário com o objetivo de mostrar, por exemplo, pálpebras cerradas, a deformação da dentição ou de, simplesmente, mantê-los na posição desejada. Em alguns casos, o Hospital recorria a um estúdio privado, o “Photª Achilles Intendente Lisboa”.
O caso mais famoso é o de Benvinda, uma mulher com microcefalia que foi estudada por Miguel Bombarda durante e depois da sua morte, em 1889, com recurso aos serviços da primeira instituição nacional para a fotografia científica, a Secção Fotográfica da Direção Geral dos Trabalhos Geodésicos, Topográficos e Hidrográficos e Geológicos do Reino, tutelada pelo Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria.
Também entusiastas neste estudo fotográfico de doentes mentais, os médicos Júlio de Matos e José Sobral Cid empenharam-se “em dar um rosto visível à loucura, no qual se pretende que ela seja reconhecível na sua verdade”.
Fotografia: Laboratório de Analyse Clínica do Hospital Real de São José e Annexos (posterior a 1902), sob a direção de Miguel Bombarda. Retirado do artigo do autor.
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