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As vidas do jardim do Campo Grande – Parte II

No século XX, o jardim do Campo Grande foi palco de uma das maiores feiras populares de Lisboa e ainda o sítio onde multidões se juntavam para ver passar os touros em direção à Praça do Campo Pequeno ou ao Campo de Santana.

A Feira das Nozes ou a Feira de Outono eram os nomes pelos quais a Feira do Campo Grande ficou conhecida e que teve o seu auge no século XIX. Surgiu três anos após o terramoto de 1755, dinamizada pela então paróquia dos Santos Reis, conta Sandra Crespo Pereira, na dissertação de mestrado em Ciências Musicais (2020) da NOVA FCSH, sobre as sonoridades do Jardim do Campo Grande.

Nesta feira acontecia de tudo: as ciganas liam a sina, havia gado, circo de cavalinhos, marionetas, exposições de figuras de cera e ainda o primeiro cinematógrafo, contou numa das suas memórias Sousa Bastos, que a considerava “a mais importante de todas” as feiras, refere a investigadora. Na passagem do século XVIII para o século XIX, crê-se que a duração desta feira passou de três para apenas um ou dois meses.

As atrações não faltavam no jardim dos arredores de Lisboa e atraía multidões. O Chalet do teatro era “a mais movimentada sala de espetáculos do Campo Grande, espaço onde também se realizavam festas”. Durante a semana, a feira era mais movimentada ao fim do dia, pela hora de jantar, e no fim de semana era para as “mais alargadas compras”.

Esta feira, repleta de sonoridades como os passos das pessoas, os pregões em cada banca, a musicalidade do teatro e do circo e ainda as vocalizações dos animais e os chocalhos, foi um “elemento fulcral na dinamização do Campo Grande”, explica Sandra Crespo Pereira. As atividades comerciais permitiram aos lisboetas acesso a produtos de outras partes do país como ourivesaria, frutos secos, legumes, ou a prova do famoso petisco da feira, as peras cozidas.

O som dos transportes públicos fazem parte da sonoridade da época, dado que tocavam uma “corneta” quando saíam do recinto da feira, que se ouvia principalmente ao fim de semana. O primeiro domingo de cada mês era dedicado a um mercado de gado, mas terminou em 1932, por falta de condições de higiene. No mesmo ano, a Feira do Campo Grande teve o seu fim e foi transferida para o Lumiar.

Contudo, durante a sua história que atravessou quase três séculos, existiu a tradição das esperas dos touros. Não se conhece quando tenha começado, mas crê-se que tenha sido ainda no século XVIII, e depressa se tornou uma atividade muito apreciada e concorrida. “As esperas consistiam no acompanhamento do trajeto que os touros que iam para as touradas faziam partindo de Frielas até ao Campo de Santana ou até ao Campo Pequeno, atravessando pelo Campo Grande”.

Nos dias de espera dos touros, as casas de pasto nas proximidades do Campo Grande eram muito concorridas. A mais popular era o “Colete Encarnado”, conhecido pelo pitéu de peixe frito e salada de alface, explica a investigadora. Outras casas eram famosas e o olisipógrafo Francisco Câncio, referido por Sandra Crespo Pereira, evidencia o “Videira do Campo Grande”, “José dos Caracois” e “o Quebra-Bilhas, no Campo Grande”.

As modinhas e o fado faziam parte deste cenário sonoro: “A música (designadamente guitarras e voz) seria um elemento central nas hortas e nas casas de pasto, que aparentam ser divertimentos bastante próximos ou complementares, já que estes estabelecimentos poderiam localizar-se nas hortas onde também se passeava e faziam jogos”. Divertimento e música não faltou no Jardim do Campo Grande, até às primeiras décadas do século XX.

Fotografia: Condução de Touros junto à Igreja do Campo Grande, litografia de Júlio Rocha (retirada da dissertação de mestrado da autora).

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