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O que nos diz uma rua de Alfama sobre o consumo de drogas na Idade Moderna

Descobertas arqueológicas revelam o que os lisboetas consumiam para chegar a outros estados de consciência entre os séculos XV e XVIII.

Com a expansão marítima portuguesa na Idade Moderna, começaram a chegar à capital novos produtos, como o açúcar ou o café, que alteraram os hábitos de consumo, mas também o tabaco, que se tornou prática quotidiana e um símbolo dos estados alterados de consciência na Idade Moderna. Este é, aliás, o tema explorado por Miguel Martins de Sousa na sua dissertação de mestrado (2020) em Arqueologia, que vem preencher uma lacuna nos estudos sobre mudanças dos estados de consciência provocados por substâncias neste período.

Durante a investigação, o autor analisou as descobertas arqueológicas de 2018, na rua do Terreiro do Trigo (Alfama), hoje Alfândega de Lisboa, onde se encontraram 472 fragmentos de cachimbos de calino, barro vermelho, barro negro e de cerâmica que parecem ter servido uma população mais pobre. Apesar das indústrias mais importantes no país e presentes em Lisboa pertencerem a países como a Alemanha e Países Baixos, encontrou-se um conjunto de sete cachimbos ingleses nos antigos Armazéns Sommer (atualmente, o hotel Eurostars Museum) da primeira metade do século XVIII. O tabaco podia ser inalado, mastigado ou fumado através de cachimbos, apesar de ser visto como sinal de pobreza em Lisboa e no país. Curiosamente, a reação a um turista com cachimbo já era de admiração.

Miguel Sousa aponta na dissertação outro estudo referente à rua Damasceno Monteiro, na zona do Intendente, que relaciona as evidências de olarias do Monte de São Gens  com o que se pensa ser o primeiro centro produtor de cachimbos de barros nacionais, mas com pouca expressão na cidade. Também os achados de cachimbos nos navios Boa Vista 1 e Boa Vista 2, identificados na Avenida 24 de julho, e noutras embarcações no país, constituem a prova de que o tabaco também era consumido nos navios portugueses.

Todavia, não era apenas o tabaco a ignição para os estados alterados de consciência. Em Lisboa existiam as chamadas boticas civis, sítios que mais tarde passaram a ser apelidados de farmácias. O efeito de substâncias psicoativas e naturais, como as folhas de canábis, cunharam a fama dos curandeiros no sentido negativo. Estes homens e mulheres começaram a ser associados a práticas demoníacas ou de feitiçaria e um dos mais célebres de Lisboa foi o de João Baptista de São Miguel, conhecido como o Joãozinho que, entres outras receitas, aconselhava a folha de canábis para o tratamento da queda de cabelo. Estas boticas civis competiam com as dos mosteiros, como era o caso do Mosteiro de São Vicente de Fora, mas ambas, aos olhos da sociedade, tinham boa reputação.

Também as bebidas alcoólicas tiveram espaço em Lisboa com a expansão marítima. No Largo do Duque do Cadaval, no Rossio, foram encontrados elementos em vidro que aparentemente se associam ao consumo de bebidas alcoólicas à época. Identificaram-se três copos, duas garrafas e dois cálices: “O seu cariz utilitário leva-nos a pensar em produções locais ou regionais, semelhantes a achados em outros contextos associados aos séculos XVII e XVIII, nomeadamente em Lisboa e outras cidades próximas”.

Parte das evidências e registo fotográfico a que o investigador teve acesso foram recolhidos por Tânia Manuel Casimiro, investigadora no Instituto de História Contemporânea (IHC) da NOVA FCSH e do Instituto de Arqueologia e Paleociências da Universidade Nova de Lisboa que, em conjunto com outra arqueóloga, investigou as estruturas do palácio pré-terramoto. O palácio dos Duques de Cadaval foi destruído pelo terramoto de 1755 e, quase um século depois, deu lugar à estação de comboios do Rossio.

Leia a reportagem publicada na plataforma N+, que aprofunda este tema.

Fotografia: Painel de azulejos do século XVII onde as figuras estão a consumir tabaco e álcool. Palácio dos Marqueses de Fronteira. Créditos: Miguel Martins de Sousa.

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