A 1 de julho de 1867, Portugal tornou-se pioneiro na abolição da pena de morte, com exceção dos crimes militares. Todos os delitos passaram a ser punidos com penas alternativas à execução.
Conhecer o mundo sem pena de morte ainda é uma realidade distante. Apesar de ainda existirem países onde é permitida, há mais de 150 anos que foi extinta em Portugal. O debate sobre a abolição da pena de morte no país começou no século XVIII e, em 1788, por ordem de D. Maria I, um novo código penal começou a ser projetado por Pascoal José de Melo Freire, afirma Luís Farinha, investigador do Instituto de História Contemporânea (IHC) da NOVA FCSH, num capítulo de livro (2017) sobre os 150 anos da abolição da pena de morte em Portugal.
Este novo código, apenas publicado em 1823, “preconizava leis menos severas – por isso mais úteis, porque aplicáveis – e o fim dos tormentos atrozes”. Esta influência normativa viajou de Itália até ao país, e marcou o primeiro passo até ao à abolição definitiva da pena de morte. António Ribeiro dos Santos, conhecido professor de Coimbra, redigiu o primeiro tratado abolicista do país em 1815.
O docente tentou demonstrar que “a pena de morte não só era desnecessária e inútil, como era contraproducente”. Para o fazer, baseou-se em estatísticas e exemplos históricos para explicar que um sistema de penas mais leves acabava por ser mais útil e eficaz.
Além disso, defendia que era necessário educar os cidadãos, criar costumes e ter uma maior vigilância “porque a morte não serviria de reparação de um dano; porque não serviria para emendar o réu; porque não impediria que outros réus cometessem crimes do mesmo tipo”. Estas medidas chegaram às Cortes Constituintes em 1821 e criou-se uma comissão para elaborar um novo projeto, mas sem sucesso.
Quis o reino absolutista de D. Miguel e a guerra civil que antigas formas de punição regressassem à validade, como a tortura, o açoite e a forca. As décadas seguintes foram pautadas oscilações no suprimento da pena de morte. Alexandre Herculano foi um dos que “dirigiria ao país, em 1838, um poderoso libelo contra a pena de morte, esse «crime atroz» que em nada condicionava, como mostravam as estatísticas, a ação dos homens”, afirma o investigador.
As últimas execuções no país foram feitas num clima de grande comoção pública: em Lisboa, no ano de 1842, e em Lagos, em 1846. Anos depois, em 1852, é proposta a eliminação da pena de morte para crimes políticos, mas não passou a lei. É então que, a 27 de fevereiro de 1867, chega às Cortes a proposta de Barjona de Freitas, ministro da Justiça e é a mesma que, a 1 de julho desse ano, foi aprovada praticamente sem oposição.
Porém, em 1874, foi condenado à morte um soldado por assassinar um alferes, o que avivou a discussão sobre este tema. A abolição da pena de morte em 1867 “tinha sido «prematura» porque a medida não fora prosseguida por uma verdadeira reforma prisional”, afirma o investigador. Só apenas na entrada no século XX é que o cenário foi lentamente mudando, com a Constituição de 1911 a determinar que não se podia aplicar, em nenhum caso, a pena de morte.
Contudo, a Primeira Guerra Mundial, o assassinato de Sidónio Pais e os conflitos que se seguiram nas colónias colocaram um ponto de interrogação e ambiguidade na eliminação da pena de morte por crimes militares. Muita tinta correu nos jornais da época, mas foi apenas na Constituição de 1976 que ficou promulgada a lei que aboliu, por completo, o fim da vida como castigo por um crime.
Fotografia: Mural de Mário Belém na zona de Santa Apolónia. Créditos: CML.
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