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Lisboa, a cidade “fradesca e mourisca” descrita no diário de William Beckford

Escreveu sobre as festas religiosas e o catolicismo em Lisboa, mas ignorou a reconstrução da cidade após o terramoto de 1755. Aos olhos de William Beckford, escritor e político inglês, esta era a cidade no final do século XVIII.

Uma Lisboa “descentralizada” em relação aos mapas que conhecia, “fradesca e mourisca” e atrasada  devido à religião católica e à sua posição geográfica. Esta era, para William Beckford, escritor e político inglês, a cidade que via e sentia, analisada por Raquel Henriques da Silva, investigadora do Instituto de História da Arte (IHA) da NOVA FCSH, no artigo (2019) sobre a primeira passagem do escritor por Portugal.

A primeira vinda a Lisboa deveu-se à viagem que o levava até à Jamaica. À época, com 26 anos, o inglês vivia uma fase conturbada na sua vida: estava viúvo e fugia de um escândalo homossexual. Queria, então, recuperar o seu estatuto. Na capital, a amizade com o Marquês de Marialva acabou por ser uma alavanca para recuperar a sua dignidade e a estadia prolongou-se de maio a novembro de 1778.

Ao longo de seis meses, Beckford escreveu sobre vários aspetos lisboetas, mas “ignorou a reconstrução urbanística moderna em curso, nunca frequentou as livrarias e botequins, desconhece o início da actividade da Academia das Ciências e outros sinais de crescente civilidade”, escreve a investigadora. Porém, viveu a cidade e deixou apontamentos literários de grande riqueza, refere.

Beckford instalou-se na Rua Cova da Moura, perto do Palácio das Necessidades, em Lisboa, e os seus trajetos diários eram semelhantes, dado que era visita habitual do Marquês de Marialva. Passava pela “Grande Praça” (o Terreiro do Paço) e “em frente das veneráveis arcadas do Convento de Belém” (o Mosteiro dos Jerónimos), escreve no diário.

Os vários passeios aos finais da tarde levaram-no aos quatro pontos cardeais da cidade e proporcionaram-lhe outra perspetiva de Lisboa, aberta para o mundo através do rio. E na convivência com a elite lisboeta, Beckford também entrou em contacto com a faceta mais religiosa de Lisboa. “É complexa a relação de Beckford com o catolicismo que o atrai pela ritualização estética e emotiva dos desempenhos e pelo culto dos santos, especialmente Santo António a quem, ao longo de toda a vida, se dedicou” com a intenção de, também, conquistar a simpatia na Corte.

E como as igrejas eram locais musicais, e sendo Beckford, também ele, músico, a qualidade dos espetáculos e dos executantes fascinaram-no, principalmente quando visitava a Igreja dos Mártires, no Chiado. Também as modinhas brasileiras lhe conquistaram o interesse “uma espécie original de música, diferente de quanta tenho ouvido, a mais sedutora, a mais voluptuosa que imaginar se pode, a mais calculada para fazer perder a cabeça dos santos e para inspirar delírios profanos”, escreveu no seu diário. Ironicamente, na arquitetura, o que mais o fascinava não eram as igrejas, mas sim o Aqueduto das Águas Livres.

Em novembro, quando seguiu viagem, William Beckford levava na mente uma outra imagem de Lisboa, diferente daquela que não parecia ter “dignidade de uma capital”. Voltou a Lisboa mais três vezes até 1800. Mas na primeira estadia, percebeu que: “É assim a perversidade da natureza humana: só quando perdemos ou estamos para perder qualquer coisa é que essa qualquer nos parece digna da nossa estima”.

 

Fotografia de destaque: Alexandre-Jean Noel (1752-1834), Lisboa e o Tejo vistos de Almada. Fonte: Fundação Ricardo Espírito Santo Silva. Retirado do artigo da investigadora.

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